Thursday, September 15, 2005

A caixa -Final

Estou em pé, sozinho, em um lugar longe da cidade. Este lugar é como um sítio e parece bastante familiar, talvez um lugar da minha infância, talvez seja só aquela sensação que só existe em sonhos, de que eu sei o que está acontecendo sem que ninguém me conte. Nada fora do comum, exceto de que neste sítio existe um vulcão. Olho para ele com um interesse vago de alguém que encara algo brutal e poderoso e ao mesmo tempo onírico e distante; sensação que é cortada com o barulho e a vibração de todo o chão deste lugar tremendo. O vulcão explode. Não em lava, mas em balões. Balões de todas as cores enchem o ar saindo da boca do vulcão, flutuam para todas as direções, não parecem seguir nenhum vento, não parecem a ir a nenhum lugar especial, preferem seguir sua própria vontade e não se submeter à nenhuma lei. Perto de mim estou cercado de balões: alguns começam a se tornar pequenos, outros enormes, e a assumir formas estranhas. Quando um pequeno balão estoura logo em minha frente começo a compreender o que está acontecendo: de dentro um beija-flor sai voando velozmente. Todos os balões estouram, cada um gerando mais alguma coisa neste lugar, plantas, animais, rochas, árvores. Um enorme balão estoura e agora existe uma casa aqui. Entro nesta casa e subo as escadas. No andar de cima, percebo que não estou em uma casa. Estou em um hotel idêntico ao que estou hospedado agora. Todas as pessoas que vi nesta cidade estão ali: os carregadores de caixa, o motorista do táxi, a modelo da portaria. Mas todos estão em pé, parados, uma coisa inanimada, sem vida, como bonecos que foram desligados da tomada. Subo e procuro meu quarto; a porta está destrancada. Me vejo dormindo sozinho na cama, desamarrado; a mulher já foi embora. Olho para a caixa no canto do quarto e entendo tudo o que está acontecendo.
Acordo na cama neste exato momento.
Realmente estou desamarrado; vejo as marcas no meu pulso. Não estou mais vendado, não vejo nem sinal da mulher sem nome, nem da corda, nem da venda. Caminho lentamente até a minha mala; abro-a e tiro um martelo que eu não coloquei lá, mas tinha certeza que encontraria. Um por um, os pregos da tampa da caixa de madeira são tirados com o lado posterior do martelo; quando o último prego sai, levanto a tampa de madeira, fazendo uma certa força adicional para terminar de solta-la. Deixo a tampa de lado e olho para dentro. A caixa contém exatamente o que eu sabia que continha.
A caixa está cheia de barro.
Tiro uma boa quantidade de barro desta caixa. Meus braços estão completamente sujos, até a manga da camisa. Começo a moldá-lo como um escultor experiente. Uma forma mais que conhecida. No barro eu moldo meu corpo, meu rosto, até a última pinta, até os últimos detalhes. Em poucos minutos tenho uma estátua idêntica a mim deitada no chão. Viro as costas e espero que ela se levante. Sinto sua mão tocar no meu ombro, a textura de pele quente perfeitamente humana.
- Fique – digo para ela – você tem um treinamento para ministrar amanhã. Aproveite que a empresa pôde pagar por um bom hotel. Eu consegui me lembrar do que eu precisava e já posso ir embora.
Saio calmamente da sala e bato a porta atrás de mim. Sou levado embora por mais um táxi novamente grátis, deixando minha caixa em mais uma cidade que eu criei.

1 Comments:

At 10:33 AM, Blogger Luiz Augusto said...

Lelê: GENIAL! Uma surpresa atrás da outra, viagem e imaginação ducaralho! Senti um desconforto enquanto lia, mas não um desconforto ruim. Ele criou uma curiosidade que levou até o fim do conto. Achei muito bem escrito, gosto muito dessa narrativa em primeira pessoa. Lelê chuta bundas!

 

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